quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Telemóvel e Criminalidade: Burla com Recurso aos Serviços de Conta Móvel da Vodacom (M-Pesa) na Cidade de Maputo


Trabalho elaborado pelo estudantes do curso de licenciatura em Antropologia da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique) na disciplina de Sociologia do Crime.

Autores: António Vilanculo e Hélder Luís

1.     Introdução

O presente trabalho aborda sobre as burlas com recursos a conta móvel da Vodacom (M-Pesa) na cidade de Maputo, um fenómeno visto como crime que deriva da introdução de serviços de conta móvel que são administradas pelas empresas de telefonia móvel.

Para a sua realização, fizemos uma pesquisa onde analisamos os dados com base numa das teorias de crime estudadas na cadeira de Sociologia do Crime. Neste sentido, a teoria usada para explicar a realidade constatada é a estrutural - funcionalista de Robert Merton, por ser a que melhor se adequa a realidade constatada. 

Depois desta breve nota introdutória, apresentamos o problema da pesquisa e a justificativa; de seguida apresentamos os objectivos e a hipótese; em terceiro lugar, mostramos os procedimentos metodológicos seguidos; em quarto, fazemos o enquadramento teórico e definimos os principais conceitos; em quinto, apresentamos e analisamos os resultados obtidos; e por fim apresentamos as conclusões.

2.     Problematização

A evolução da tecnologia que tem sido agregada à telefonia móvel como recursos de envio de mensagens, fotos, filmes e dados, gravação de voz, reprodução de arquivos de áudio e, mais recentemente, o serviço de conta móvel.

Segundo Sá Garay (2015) o telefone móvel é o meio mais prático, rápido e acessível de comunicação actualmente, sendo amplamente utilizado por grande parte da população mundial. Com tantas vantagens, é evidente que o telefone servirá também como instrumento para actividades criminosas, servindo como um instrumento que facilita os delinquentes a cometerem crime.

Como corolário da introdução de conta móvel nos serviços de telefonia móvel, temos, dentre vários, o m-pesa como um dos serviços mais proeminentes de conta móvel em Moçambique que é suportado pela empresa Vodacom. Entretanto, a nossa preocupação esta na compreensão dos mecanismos de burla com recurso ao uso deste serviço.

2.1.Pergunta de partida

A partir de episódios de burla envolvendo pessoas burladas e com recurso à serviço de conta móvel da Vodacom (M-pesa), pretendemos saber as diversas formas que os delinquentes usam para burlarem os indivíduos a partir de depoimentos das vítimas.

3.     Justificativa

O presente trabalho surgiu da necessidade de compreender a complexidade dos episódios de roubo com recurso aos serviços de conta móvel oferecidos por empresas de telefonias moves nos decorrentes do cotidiano onde várias pessoas próximas a queixam-se de terem sido roubados (burlados) através de chamadas por telefone ou mensagens por SMS.

Os delinquentes (burladores) contactam telefonicamente as suas possíveis vítimas anunciando uma determinada questão que seja do interesse da vítima e se fazendo passar por alguém que queira ajudar. E com o aparecimento das contas móveis (mpesa, mkesh) os delinquentes usam as mesmas artimanhas para enganar as suas vítimas e tirarem dinheiro sempre que a pessoa tiver um serviço de conta móvel activo.

4.     Objectivos do trabalho

4.1.Geral

v  Compreender as diferentes formas de burla, feito com recurso aos serviços de conta móvel a partir dos depoimentos das vítimas.

4.2.Específicos

  • Identificar vítimas ou pessoas que tenham passado por experiência de roubo com recurso aos serviços de conta móvel;
  • Recolher evidências e depoimentos falados das vítimas;
  • Fazer o enquadramento teórico dos dados obtidos a partir dos depoimentos falados por parte das vítimas.

5.     Hipótese

Para cometerem o crime de burla com recurso a uso de serviços de conta móvel, os delinquentes o fazem por meio de SMS que são enviadas as vítimas com instruções que quando seguidas, culminam numa transferência imediata de dinheiro na sua conta móvel (m-pesa).

6.     Metodologia

Aqui, apresentamos os procedimentos metodológicos e técnicas de recolha de dados usados no trabalho de campo. A pesquisa seguiu o método etnográfico, baseado na abordagem qualitativa combinada com observação participante no terreno e auxiliada por entrevistas abertas em profundidade e conversas não formais. Com a combinação desses procedimentos foi possível obter experiências e compreender percepções e que as pessoas que sofreram roubos com recurso aos serviços de conta móvel têm sobre a segurança que estes serviços oferecem.

Participaram na presente pesquisa 5 pessoas, das quais 4 de sexo feminino e 1 de sexo masculino. As entrevistas decorreram no bairro da Maxaquene “A”, Campus Universitário, e mercado de Xipamanine na cidade de Maputo.

O estudo foi realizado seguindo pessoas que sofreram burla com recurso ao serviço de conta móvel que, de forma indicados conseguimos os localizar. As entrevistas abertas e conversas não formais foram feitas a pessoas de diferentes categorias. 

A pesquisa teve três fases a saber: a fase exploratória que consistiu na revisão da literatura e exploração de dados no contexto de pesquisa; a fase de trabalho de campo e a análise de dados.

7.     Enquadramento teórico e definição dos conceitos

7.1.Enquadramento teórico

Segundo Baratta (1999), Robert Merton se utiliza da noção de anomia para indicar como o desvio é um produto da própria estrutura social, absolutamente normal, na medida em que esta própria estrutura acaba compelindo o indivíduo à conduta desviante, apresentando-lhe metas, mas não lhe disponibilizando os meios necessários para a sua consecução, de maneira a "tirar-lhe o chão", abandonando-o sem possibilidades "normais" de obter seus objectivos. Ausentes os meios legais, mas presente a pressão para a conquista dos objectivos impostos socialmente, esse vácuo (anomia) necessitará ser preenchido de alguma forma. Essa forma é a perseguição dos fins por meios ilegais, desviantes, já que os legítimos não estão disponíveis.

Merton desenvolveu o conceito de "anomia", para descrever o desequilíbrio entre metas culturais e meios institucionalizados, referindo-se das discrepâncias entre os objectivos culturalmente definidos e os meios institucionalizados disponíveis para atingir esses objectivos (Veras, 2006). 

Para Merton, “a desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos e os meios legítimos à disposição do indivíduo para alcançá-los, está na origem dos comportamentos desviantes” (Baratta, 1999: 63). E mais: “a cultura coloca, pois, aos membros dos estratos inferiores, exigências inconciliáveis entre si. Por um lado, aqueles são solicitados a orientar a sua conduta para a perspectiva de um alto bem-estar; por outro, as possibilidades de fazê-lo, com meios institucionais legítimos, lhes são, em ampla medida, negadas”.

Merton, propôs que desvio baseia-se em dois critérios: (1) motivações de uma pessoa ou sua
adesão a metas culturais; (2) a crença de uma pessoa em como alcançar seus objectivos. Há uma tensão entre a estrutura cultural e a estrutura social induzindo o indivíduo a uma opção entre as vias existentes: a conformidade, a inovação, o ritualismo, a fuga do mundo ou o retraimento e a rebelião (Merton apud Baratta, 1999).

No caso em análise, quem comete delito com recurso aos serviços de conta móvel enquadra-se no modo de adaptação por inovação, de acordo com a sua definição:
A inovação decorre da ênfase cultural relativa ao êxito, o que estimula a busca por meios proibidos. O delinquente, nesse caso, procura um atalho para alcançar a ascensão social mais rapidamente, isto é, usando meios socialmente não aprovados ou não convencionais para obter metas culturalmente aprovadas. Exemplo: roubo com recurso a serviço de conta móvel (m-pesa) para alcançar a segurança financeira.

7.2.Definição de conceitos

A criminalidade é um fenómeno complexo, formada por um grupo de pessoas bastante dissemelhante, que esta no seio de uma sociedade. Para Lira Júnior citado por Santos e Jesus (2011), toda sociedade possui seus padrões, regras e limites por ela estabelecidos, e quando um indivíduo ou grupo se desvia destas determinações ele provoca mudanças, é considerado desviante da norma social. 

Num sentido formal, crime é uma violação da lei penal, caracteriza-se como a prática de conduta tipificada pela lei penal como ilícita. 

O conceito de burla está associado ao de fraude, a medida em que é considerado como um delito contra o bens ou contra as propriedades alheia. Abrange basicamente em enganar para obter um bem patrimonial.

Burla[1] consiste em alguém, com intenção de obter para si ou para outrem, enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

8.     Apresentação e Análise dos Resultados

Nesta secção descrevemos e analisamos os resultados do trabalho de campo. De forma a preservar a identidade e anonimato dos participantes desta pesquisa, omitimos os nomes dos entrevistados, usando nomes fictícios.

Numa análise geral, constatamos que antes de cometerem qualquer burla, os delinquentes editam uma mensagem de confirmação de transferência de um certo valor, na qual se confirma o valor transferido e o saldo existente na conta do receptor da mensagem (o individuo que se pretende burlar). De seguida, envia a mensagem por SMS para as prováveis vítimas, como o exemplo da mensagem que se segue, tirada do telefone de Fazbem[2]:
Confirmado 4EZ55VVDJ3. Recebeste 1000.00MT de 258845150*** - JAIME SITOE aos 15/4/17 as 3:57 PM. O teu novo saldo M-Pesa e de 2000.00MT. M-Pesa e fácil!
Depois de enviarem uma mensagem com mesmas caraterísticas que a mensagem apresentada acima, seguem-se as diferentes formas usadas pelos burladores para efetivarem os seus intentos. Estas diferentes formas podem ser por envio de uma outra mensagem, na qual o delinquente faz-se passar por alguém que por engano, transferiu a o valor para o destinatário desconhecido, conforme ilustra a mensagem abaixo, partilhada pela senhora Júlia[3]:
Boa tarde, enviei 1500MT para sua conta M-pesa falhei número ao digitar, por favor por favor esto pedir devolver o dinheiro. Agradecia imenso!
A outra forma acontece quando, depois do envio da mensagem de confirmação, o delinquente entra em contacto por meio de chamada telefónica com a provável vítima, onde segundo as senhoras Alice[4] e Felismina[5], “os burladores lamentam ter falhado o número e pedem favores para enviar de volta muito rapidamente por estarem muito aflitos e por ser o único valor que tinha para pagar as despesas”.

A terceira forma avançada por Fazbem acontece quando o burlador entra em contacto com a vítima e faz-se passar por um funcionário da operadora móvel que é responsável pela gestão dos serviços de conta móvel na operadora. Aqui, o delinquente informa ao cliente que foi transferido um valor e que o mesmo deve ser rapidamente transferido de volta ao remetente. 

Entretanto, na forma em que o delinquente faz-se passar por alguém que tenha falhado o destinatário transferência do valor, quer seja por meio de chamada, quer seja por meio de mensagem, a consumação da burla acontece em caso de a provável vitima desconhecer da técnica usada ou não ter passado por uma experiencia igual de burla. Caso contrário, a burla não acontece e o delinquente é humilhado, segundo o depoimento da senhora Amina[6]:
Depois de me burlarem os meus 1500,00MT, acho que fiquei durante um mês e duas semanas quando, de repente recebi outra mensagem. Logo depois de receber a mensagem, estava a receber a chamada do burlador que me pedia a mesma coisa (fazer transferência). Eu tive medo, logo comecei a lhe insultar e ele desligou. Mas acho que se fosse primeira vez, podia ser burlada...
Com o depoimento acima, podemos perceber que a burla só acontece em caso de as instruções feitas pelos burladores forem, depois do envio da mensagem, seguidas pela vítima. Também é evidente que os burladores aproveitam-se da falta de informação ou inocência da vítima, ou ainda o facto de a vítima ser muito generosa e transmitir o censo de justiça.

O facto curioso que constatado durante a pesquisa é que o valor que se enuncia nas mensagens enviadas pelos burladores sempre coincidia com o saldo da conta M-pesa das vítimas, o que fazia com que as vítimas pouco duvidassem da idoneidade e proveniência da mensagem. Daí a seguinte dúvida: como os delinquentes conseguiam acertar o valor de saldo que do destinatário? Deixamos a resposta para essa questão as próximas pesquisas.

8.1.Exemplo de uma mensagem de burla



9.     Conclusão

O principal bem que se procura tirar das vítimas é o dinheiro, onde os delinquentes aproveitam-se do desconhecimento das suas vítimas com relação aos crimes decorrentes das burlas com recurso a serviço de conta móvel. 

Os delinquentes simulam a transferência de um certo valor através de SMS e de seguida ensaiam uma mensagem ou chamada se fazendo passar de quem tenha transferido um valor por engano. Mas a burla só acontece quando a vítima corresponde e segue todas as artimanhas instruídas pelo burlador. Em caso de não correspondência e não seguimento das instruções dadas pelo burlador, não existe possibilidade para interação entre as partes e consequentemente a burla não acontece. 

Há que salientar que quando existe correspondência e interação entre as partes (burlador e provável vitima), há sempre duas consequências possíveis: ou a burla acontece, ou a burla não acontece, dependendo da correspondência da pessoa. Essa correspondência pode ser negativa (quando o individuo descobre que se trata de uma burla e desiste, não culminando por ser burlado) ou positiva (quando o individuo não sabe que se trata de uma burla e segue as instruções culminado por ser burlado).

Referências Bibliográficas

Baratta, Alessandro. 1999. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 2a. Ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos.
Santos, Grasiele e Jesus, Rusche. 2011. Representação do Conceito de Criminalidade para Estudantes de Psicologia, Direito e Pedagogia. UPM. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Pesquisa/pibic/publicacoes/2011/pdf/psi/grasiele_aparecida.pdf>. Acesso em 17 de Maio de 2017.
Sa Garay, Humberto. 2015. Interceptação Telefônica, Serendipidade e Criminalidade. Disponível em: <https://pt.linkedin.com/pulse/intercepta%C3%A7%C3%A3o-telef%C3%B4nica-serendipidade-e-humberto-de-s%C3%A1-garay> Acesso em: 21 de Maio 2017.
Veras, Ryanna. 2006. Os Crimes do Colarinho Branco na Perspectiva da Sociologia Criminal. Dissertação de Mestrado em Direito. PUC/ São Paulo.


[1]Extraído em: Jurislingue. Disponível em: <http://jurislingue.gddc.pt/fora/resultado_pesquisa_termos.asp?Termo_Portugues=Burla> Acesso em: 22 de Maio 2017.
[2] De 21 anos de idade, estudante na UEM e residente no Complexo Residencial do Campus Universitari Principal da UEM, entrevistado na sua residência.
[3] De 38 anos de idade, mãe de uma filha, doméstica e residente no Bairro da Maxaquene “A”, entrevistada em sua casa.
[4] De 25 anos de idade, comerciante e residente no Bairro de Xipamanine, entrevistada na sua barraca de venda de produtos alimentares no mercado de Xipamanine.
[5] De 23 anos de idade, estudante na UEM e entrevistada no Campus Universitário Principal da UEM.
[6] De 30 anos de idade, mãe de dois filhos e estudante universitária, entrevistada na sua residência, no bairro da Maxaquene “A”.

Sistemas de trocas das concepções teóricas a prática do “Xitique” em Moçambique


Trabalho elaborado pelo estudantes do curso de licenciatura em Antropologia da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique) na disciplina de Antropologia do Economico.

Introdução

Este trabalho refere-se a produção dum ensaio, com tema a escolha dos elementos do grupo. O tema escolhido deve estar dentro da temática sobre produção, consumo e troca que abordamos ao longo da disciplina da Antropologia do Economico. O nosso grupo escolheu abordar sobre Xitique. Consideramos que o xitique é um sistema de troca.

Este trabalho tem como objectivo principal descrever até que ponto o xitique é um sistema de troca, analisando os diversos modos como que o xitique é realizado.

No que trata-se da estrutura, o nosso trabalho está estruturado da seguinte forma:
  • Primeiro iremos contextualizar o surgimento do xitique, em que circunstancias a ideia da prática do xitique surgiu;
  • Segundo, iremos apresentar as diferentes definições do que é xitique;
  • Terceiro, apresentamos, as principais características desse mesmo processo de troca e rotação que é o Xitique;
  • Em quarto, em jeito de conclusão apresentamos a nossa reflexão critica sobre os argumentos dos autores sobre xitique.


1. Surgimento de Xitique

Neste subcapítulo, apresentamos como abordagem central a contextualização do surgimento do xitique, em que demonstramos que questões históricas, sociais, culturais, económicas, estiveram por detrás do surgimento da prática de xitique.

De acordo com Isabel Casimiro (2011) o xitique pode ser enquadrado num contexto de actividades geradoras de rendimentos, que considera ter surgido como resposta aos programas de reajustamento estrutural, pressão económica, a perda de empregos, crise económica, problemas financeiros que abalaram as famílias Moçambicanas. 

A autora considera que a aderência a essas estratégias como respostas a falta de rendimento, surgem a partir dos anos 80, 90 do século XX, onde tem-se verificado uma crescente deterioração das condições socioeconómicas de vida, a procurar alternativas para a geração de rendimentos que permitam cobrir as suas necessidades básicas, através de actividades micro-empresariais de variada natureza e características. (Casimiro, 2011: 2)

Como forma de sobrevivência, começam a surgir várias actividades geradoras de rendimento para o sustento e reprodução, trata-se aqui de estratégias de sobrevivência. Dentre essas diversas estratégia de rendimento, a autora destaque que na zona sul de Moçambique predominam o xitique, tsima, muthekela, mukhosi wa mina, e o aspecto em comum entre essas práticas deve-se ao facto de tratarem-se de práticas sociais de ajuda mútua.

Por sua vez, Teresa Cunha no seu artigo sobre a arte de xiticar (2011), considera que a questão da pobreza em Moçambique, foi um dos grandes factores que influenciaram no surgimento de esse tipo de práticas associativas como é o caso do xitique, embora Isabel Casimiro (2011) defenda que as práticas sociais de ajuda mútua ocorrem desde o início das sociedades humanas.

Para Teresa Cunha (2011) Moçambique é um país empobrecido, na medida em que verifica-se ausência de acesso aos bens, recursos de moeda, que porem nao impedem a existência de práticas que baseiam-se numa distribuição e produção de uma ordem a um equilíbrio e a uma harmonia social e económica.

Assim como Casimiro, Teresa Cunha defende que a ideia da prática do xitique trata-se de algo muito antigo, que devido a essas condições de pobreza que anteriormente descrevemos, está a ser novamente reinventado. E actualmente são várias as mulheres que têm aderido a prática do xitique como uma forma de subsistência.

Para Teresa Cruz e Silva no seu artigo sobre sector informal (2002) as mudanças económicas que assistiram-se em Moçambique apos a independência, as reformas económicas, introdução do sistema socialista, trouxeram consigo uma serie de transformações sociocultural das quias a autora destaca a introdução do sector informal. E foi com o crescimento do sector informal, entre as mulheres que realizavam negócios nesse sector, que surgiu a prática de xitique, como uma forma de associação, rede de solidariedade, poupança, crédito rotativo entre estas mesmas mulheres.

De uma forma geral, o surgimento do xitique de acordo com as autoras citadas, pode ser enquadrado no contexto das reformas económicas, a situação politica, social e cultural que Moçambique viveu no período pós-independência, concretamente nos anos 80 e 90 do seculo XX, essas questões não estão desassociados, tudo em conjunto resultaram num novo estilo de organização económica e social.

Catarina Trindade (s/d), citando Ana Loforte, afirma que a economia informal é o lugar onde se têm estruturado as novas actividades produtivas, onde se geram novas relações sociais com uma maior participação nas decisões a nível doméstico, de solidariedade e de novas legitimidades

As crises económicas que afectaram por vários anos a sociedade moçambicana, criando desempregos, baixa renda, levaram com que as mulheres procurassem meios de subsistência no espaço público. Foi em parte essa aderência das mulheres ao espaço público que levou ao surgimento do mercado ou sector in formal, e como já referi foi dentro desse grupo de mulheres pertencentes ao sector de informal que se institui a prática de xitique como resposta as dificuldades económicas, como forma de ajuda mútua.

2. Definição de Xitique

No que diz respeito a esta secção iremos abordar sobre como e que diferentes autoras definem xitique, e quais as principais características atribuídas a prática de xitique. Iremos apresentar os argumentos de Teresa Cruz e Silva, Catarina Trindade, Teresa Cunha e outros.

Catarina Trindade citando Teresa Cunha (s/d), defende que o xitique tem como objectivos a aquisição de bens, produtos e serviços que doutra maneira não seriam acessíveis a determinado grupo de pessoas mediante a escassez com que vivem, porem Trindade defende que deve-se evitar considerar que o propósito central do xitique é uma prática que diz respeito a um meio de sobrevivência das pessoas empobrecidas, embora o xitique tem sido a solução de muitos dos problemas pessoais ou seja trata-se de um sistema de interajuda. 

Por sua vez Isabel Casimiro (2011), afirma que o xitique é uma designação em changane que se refere a uma prática de poupança que baseia-se em grupos de ajuda mutua (principalmente as mulheres e organizam-se num sistema de associações de crédito rotativo e poupança.

Em outro seu artigo, Catarina Trindade (2010) também defende a mesma perspectiva da Isabel Casimiro, que olha para o xitique como um modelo de poupança e credito rotativo, que permite as pessoas fazerem poupanças entre si. Considera que a prática de xitique existem em todo território moçambicano, mas tem as suas variações de acordo com o contexto, no entanto a prática de xitique que é o principal assunto neste trabalho é mais comum na zona sul, principalmente em Maputo. 

Catarina Trindade defende nos dois artigos da sua autoria que aqui apresentamos que o xitique apesar de ser mais comum entre pessoas de classes sociais mais baixas, com fraco acesso a recursos e créditos bancários, é uma prática que atravessa todos os estratos sociais, assim como todas as religiões e etnias.

Por sua vez, Isabel Casimiro e Amelia de Souto (2010), na obra Empoderamento económico da mulher consideram que em termos etimológicos xitique e uma palavra tsonga que significa poupança. E citando Teresa Cruz e Silva, consideram que o xitique é uma das formas mais comuns para a realização de poupanças nos mercados informais, como já havíamos referenciado, que o xitique surgiu num contexto de mercado informal.

Catarina Trindade define o xitique como sendo mais do que um sistema de créditos e poupanças rotativa, uma vez que o xitique para além de potencializar estrategias dentro do jogo de relações de poder em que as mulheres se encontram, permite o empoderamento das mulheres, que são as que mais praticam xitique.

Isabel Cunha (2011) e Catarina Trindade (2011) defendem que o xitique é uma prática que vai além de uma estratégia de sobrevivência das pessoas empobrecidas, tem objectivos extra-económicos e contribui para a coesão social, controlo dos recursos existentes, identidade e afirmação.

No que diz respeito a definição, Teresa Cunha (2011), afirma que o xitique e uma palavra oriunda da língua tsonga que em português significa poupar ou amealhar. Trata-se de uma racionalidade económica de poupança, que visa o bem comum dos membros da associação de crédito rotativo em análise. Ainda de acordo com Teresa Cunha o xitique demonstra-nos a existência de sociabilidade entre os participantes, o que leva-nos a uma reflexão para além das questões económicas para sobrevivência, demonstrando que fazer xitique é mais do que mealhar e receber dinheiro. 

Por sua vez Isabel Casimiro, diz que o xitique faz parte das associações que emergiram socialmente, como resposta a pobreza e a vulnerabilidade, que por outro lado a existência desse tipo de associações, permite a integração social, partilha, solidariedade. Pois no xitique não só presenciamos a as trocas dos bens matérias, as trocas económicas, há também de valores.

Um aspecto em comum nos argumentos das autoras é que todas consideram que os grupos de xitique baseiam-se na confiança mútua, que a confiança é um elemento essencial para a criação e continuidade dos grupos de xitique.

3. Características do Xitique

Nesta secção, apresentamos as principais características do xitique, destacando, como opera esse processo de troca, quem está envolvido, e como o sistema de rotação é feito. O xitique trata-se de um sistema de troca que pode envolver amigos, familiares, colegas, pessoas aparentemente desconhecidas que associação para criar um grupo de poupança e credito rotativo, tal como demonstram os autores aqui citados, visto que essa e uma ideia comum entre estes mesmos autores.

De acordo com Trindade (s/d), a autora traz nos seus trabalhos exemplos de como decorre a prática do xitique, apresentando quais as principais características, como funciona este sistema de troca. Para melhor defendermos o nosso argumento de que o xitique constitui um sistema de troca, que é importante ser analisado na disciplina de Antropologia de Economico, apresentaremos trechos ou exemplos que as autoras usaram para demonstrarem como é que ocorre a prática do xitique.

Segundo Trindade (s/d) a característica particular do xitique é que e maioritariamente feito entre mulheres. O que não quer dizer que não exista uma participação masculina. O xitique funciona a partir da criação de um grupo de pessoas, variando o número de acordo com os contextos. Esse grupo de pessoas se junta para começar a fazer poupança, podendo fazer um xitique diário, semanal, quinzenal ou mensal, conforme a necessidade e capacidade de cada um/a. O mais comum é o xitique mensal. 

Decidem então que cada um/a contribuirá mensalmente com o montante que é estipulado tendo em conta a capacidade de cada um/a, e posto isso decidem também qual será a data limite mensal para cada um/a tirar a sua parte, que a cada fim desse período alguém ira receber o xitique.

O passo a seguir é decidir qual será a ordem em que ira receber o dinheiro. A escolha pode ser aleatória ou pode ser feita de acordo com a necessidade de cada componente do grupo. Quando o xitique chegar ao fim e todos/as receberem a sua parte, voltam ao início e recomeçam. 

A autora Trindade, considera que outro aspecto a ter em conta no xitique são o que podemos chamar de rituais, que é a existência de encontros, onde alguns grupos de xitique, principalmente os familiares, organizam encontros mensais, com direito a almoço/lanche, música, danças e cânticos, sempre na casa de quem irá receber o dinheiro. Podem também oferecer-se presentes, como louça e capulanas (pedaço de pano tradicional, colorido, que se usa para vários fins).

Em termos de importância, Trindade considera que o xitique é importante porque permite uma maior coesão do grupo, a criação de redes de ajuda mútua e solidariedade, assim como o estreitamento das amizades e laços familiares.

Enquanto para Isabel Casimiro e Amelia Neves de Souto (2010), o xitique inicia a partir de um grupo de amigos que se juntam, fixam o montante da contribuição de cada membro e a periodicidade dos encontros para prestação de contas e distribuição rotativa da poupança, por cada um deles. 

Teresa Cruz e Silva (2002), afirma que a forma de pagamento do xitique não tem que ser necessariamente monetária, havendo casos em que essa contribuição se traduz em bens materiais. Os fundos circulam entre os seus membros e a sua coleta e distribuição funcionam, regra geral, na base da confiança e empatia, ao mesmo tempo que obriga cada membro do grupo a fazer a poupança de um montante predeterminado e dentro da periodicidade previamente definida para o pagamento da sua quota. A distribuição da poupança entre os membros do grupo é feita periódica e rotativamente.

Em relação as características, para Trindade o xitique opera entre um grupo de pessoas, constituído por amigas/os, colegas de trabalho ou familiares, que estipulam um montante de contribuição assim como a periodicidade dos encontros para prestação de contas, distribuição rotativa do poupado por cada uma das pessoas envolvidas no grupo e confraternização. 

Referência Bibliográficas

CUNHA, Teresa. 2011. A arte de xiticar num mundo de circunstâncias não ideia. Edições Afrontamneto. Porto

CASIMIRO, Isabel Maria. 2011. Mulheres em actividades geradoras de rendimentos experiencias de Moçambique.

CASIMIRO, Isabel Maria e Amelia Neves De Souto. 2010. Emponderamneto económico da mulher, movimento associativo e acesso a fundos de desenvolvimento local.

CRUZ SILVA, Teresa. 2002. Determinantes globais e locais na emergência de solidariedade sociais: o caso do sector informal nas áreas periurbanas da cidade de Maputo. Revista critica das ciências sociais, centro de estudos sociais da universidade de coimbra. 75-89.

TRINDADE, Catarina Casimiro. (s/d). o dinheiro em poder delas: a prática do xitique na cidade de maputo. São paulo.

TRINDADE, Catarina Casimiro. (s/d). Xitique: um modelo moçambicano de poupança e credito rotativo.

Entre a Tuberculose ou Tchokolo


Autor: Edmar Reane

Dra Carla Braga, (Supervisora)

Resumo 

O objectivo deste trabalho de pesquisa é compreender a busca de tratamento por parte dos doentes com tuberculose e tchokolo, bem como descrever os significados atribuídos aos tratamentos prescritos para essa condição. A pesquisa foi realizada na Cidade de Dondo, mais concretamente no Bairro de Mafarinha, tomando como foco da pesquisa as pessoas com tuberculose e tchokolo. Usou-se como fio condutor da pesquisa, o conceito de modelos explicativos desenvolvido por Kleinman, defende, que o modo como as pessoas concebem a doença e itinerários terapêuticos estão relacionados com os conhecimentos e valores culturais do contexto onde as pessoas estão inseridas. Constatou-se que os indivíduos residentes têm várias concepções, em torno da etiologia da tuberculose/tchokolo, acreditando que é uma doença causada por constrangimento de normas pré-estabelecidas na comunidade, desde a prática do aborto, até a purificação das viúvas. O estudo conclui que o processo de busca de tratamento das pessoas com tuberculose/ tchokolo no Bairro de Mafarinha é influenciado pela forma como os residentes concebem a tuberculose, uma vez que, neste Bairro a tuberculose é associado a “tchokolo” uma doença com as características e sintomas similares à tuberculose, o que leva os residentes deste Bairro à cruzarem várias alternativas terapêuticas. Contudo este processo é influenciado em grande medida pelas formas tradicionalmente aceites para tratar as doenças. Os doentes optam pela biomedicina e quando não cura a família tem quebrado as regras levando o doente até a medicina tradicional. No entanto, há um grupo que acredita que a doença é tradicional e só tradicionalmente.

Palavras Chave: Doença, Itinerarios Terapeuticos, Saude, Modelos Explicativos

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